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O enterro das almas boêmias

quarta-feira 7 de outubro de 2020, por ,
Marina e Nego João são meus amigos de muitas luas e raiar do dia. Sempre foram super discretos. Nunca soube que rolava um escondidinho amoroso há um par de anos.
No entanto, o fique em casa faz com que as pessoas baixem a guarda e liberem seus segredos íntimos aos amigos próximos.
Se a confissão fosse de Nego João eu iria achar que era caô, pois ele tem fama de culhudeiro. Ontem, Marina ligou e confessou que há 17 anos os dois se encontram para namorar livremente, sem caretices e freio de mão puxado.
Como assim, perguntei?
A gente tinha uma vibe completamente aberta. Não havia compromisso. Com a pandemia, aumentou a saudade de chamego e "discaracão". Daí marcamos um encontro e chacoalhamos o papai e mamãe a vera!
Juro de pés juntos que o caso de vocês jamais passou por minha cabeça poluída.
Pois é. O povo amigo acha que Joãozito é muito bonito pra mim. Então, não desconfia que tenho predicados e substantivos para fazer meu neguinho gemer e arrepiar sem sentir dor. Ganhei coragem pra falar, porque a gente resolveu assumir de papel passado.
O quê, Marina? Você está viajando?
Tô falando sério, Adrô. Estamos com medo de morrer sem prazer. Assim, resolvemos juntar os trapos, os bolachões e os livros. Gostaria que você e Mag fossem nossos padrinhos.
Embolou o meio de campo, Marina. Eu não vejo Mag há muito tempo. Onde Mag se enfiou?
Mag mora na Chapada Diamantina desde 2010. Vida de natureba nas quebradas de Palmeiras. Depois que aposentou não quer saber de cidade grande, ajuntamento e zoada. Mas vai dançar no baile do casório dos coroas mascarados.
Tô pastel com essa conversa sem pé nem cabeça. Essa conta não fecha, não! Falta o Nego João.
Marina pegou o celular, discou e falou: Joãozito, nosso amigo Adrô tá fazendo cú doce! Não quer ser nosso padrinho. Nego João pediu para passar o telefone e esbravejou: Marina e eu vamos casar no dia de finados. Tá rebocado. Você e Mag vão ser padrinhos. Não aceito não, seu porra!
Depois de ouvir os dois fiquei convencido de que vai rolar um casamento surreal. Assinarei o livro no Campo da Pólvora, diante de um juiz de paz. Porém, antes de dizer sim, indaguei: por que casar no dia de finados?
Simples, babaca! Vamos enterrar nossas almas boêmias...
Adrô de Xangô
6/10/2020.
Imagem: ciranda.net
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