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O dia em que encontrei o Professor William

sábado 8 de outubro de 2016, por Enderson Araújo,

Você pode perguntar: "Qual a finalidade de conhecer, um dos propulsores do crime organizado no Brasil, e contar isso para nós?"

Em meados de Agosto, quando ainda articulava o que iria fazer, em minha ida ao Rio de Janeiro, pedi em uma conversa, para que o André Fernandes da ANF - Agência de Notícias das Favelas, me permitisse um encontro com o lendário "Professor William", lógico que falei isso porque depois de ficarmos sem assunto, jamais achei que iria acontecer. Só que ao pousar no RJ e avisar que havia chegado, o André me manda a seguinte mensagem: "Domingo tem feijoada lá em casa para você, sabe chegar na Mangueira não é? Ah!! O Professor vai estar lá" ...

Eu comecei a compreender e entender como se deu a formação do crime organizado no Brasil, em 3 momentos:
1°- Quando conversei com Professor William, na casa do André Fernandes;
2°- Assistindo pela Netflix, ao filme dirigido pelo Caco Souza (trailler aqui), que leva o mesmo título do livro que o Professor William escreveu, o 400contra1 (resenha aqui);
3°- Em conversas por telefone, WhatsApppp e Facebook com dona Simone Menezes e Marina Morena, esposa e a filha do Professor William.

Vou escrever sobre o que aprendi, e qual reflexão pode ser passada a partir dessas vivências.

Em 1980, na Cadeia de Ilha Grande no Rio de Janeiro, a polícia resolveu juntar pessoas presas por subverter a ditadura, com pessoas presas por cometerem roubos e outros delitos, o grande consenso, é que todos ali eram presos políticos, segundo William os presos subversivos eram os "Revolucionários Românticos", que não se misturavam com os presos do "Fundão" que eram um grupo de presos, nem com os presos do "Jacaré", que eram outro grupo de presos. Foi na Cadeia de Ilha Grande, que o Professor conheceu dona Simone Menezes, sua esposa e com quem convive até hoje.

Segundo William, nasceu uma regra de comportamento, criado pelos presos, daí vem o slogan, que circula pelas favelas dominadas hoje pelo Comando Vermelho: Paz, Justiça e Liberdade; cada palavra tem um conceito, serem chamados de Falange/Comando Vermelho, foi criação da polícia, e quando esse comportamento tomou as ruas, é que a coisa começou a ganhar outros viés, o Comando Vermelho é a mais antiga Facção que já se ouviu falar e a maior, já houveram rachas, onde veio a nascer a Facção 2° Comando, e já foi influência para criação de outras Facções, a exemplo do Primeiro Comando da Capital o PCC.

Você que leu até aqui, deve estar se perguntando "Qual a finalidade de conhecer, um dos propulsores do crime organizado no Brasil, e contar isso para nós?"
Pois bem, agora que o texto começa a ficar legal.

Conhecer o William e poder conversar com ele a sua familia, para mim foi e está sendo construtor, quem me conhece sabe quais são as minhas bandeiras de luta, e entender o início de tudo, é importante, isso é ser imparcial e estudar a história, melhor ainda quando ficamos impressionados em saber que a história que é contada, não é a real. O CV passou por mutações durante os anos, o mundo é mutuo de mudanças, e a própria justiça criou eles, o sistema carcerário é surreal desde aquela época, trata prisioneiros como bichos, e a única solução criada pelos presos, foi ter uma conduta de comportamento próprias, a chamada "Lei da Cadeia" para tentar arrumar o lugar. Hoje o William está bem debilitado, pois além de ser o único que ainda continua vivo, daquela época, pois foi bastante espancado e torturado, ele ainda vive com uma tornozeleira, a qual ele tem que ficar algumas horas de seu dia, sentado próximo a uma tomada, para carregar, o que o obrigou a voltar para casa antes das 19h, encerrando nosso encontro.

Precisamos entender e discutir a criminalidade no Brasil, o país é o maior exportador de armas de fogo no mundo, somos também o país que mais mata jovem no mundo, maior número dessas mores, são de jovens negros, e a maioria dessas mortes são praticadas por armas de fogo. Precisamos sair da nossa zona de conforto e discutir políticas de drogas, sem os pudores do conservadorismo, pois colocam armas e drogas nas favelas, e depois mandam a Polícia ir para linha de tiro cruzado, no final morrem inocentes, morrem bandidos e morrem policiais também, onde a justificativa tratada é a chamada "Guerra as Drogas", mas estamos cansados de dizer que ESSA GUERRA NÃO É NOSSA. Porque é que a Polícia não faz operação em bairro nobre? Lá não tem droga? Não tem tráfico? Na época de Ilha Grande, o Maranhão, outro fundador do Comando, já dizia "A guerra só interessa ao sistema". No Brasil não se produz drogas, nosso país é somente rota para o narcotráfico, que sai da América do Sul, para países da Europa e América Central, mas alguém já ouviu falar onde ficam e quem constrói as pistas de abastecimentos para os transportes dessas drogas? E antes que me julguem, não estou citando o Senador Aécio Neves, nem os Perrelas.

Devemos dialogar ainda mais com o Professor William, entender o que foi que deu errado, o que continua dando errado, o governo tem que tirar a porra daquela tornozeleira e deixar o cara lançar o @400Contra1 pelo Brasil e fora, para que quem criou a chamada organização do crime, possa apontar o dedo, e dizer que o Governo tem culpa em todo caos, a polícia tem culpa, o crime tem culpa e que se não houver diálogo, só tem a piorar cada vez mais.

Para quem quiser compreender o que escrevi, indico o seguinte roteiro:
1 - Leiam ao livro 400contra1, que está sendo relançado pela ANF - Produçoes, vocês podem comprar pelo site da ANF e da Livraria Cultura.
2 - Assistam ao filme 400contra1 - Uma História do Crime Organizado na Netflix (segundo filme que faço merchandising da Flix em meus textos), mas entendam que o filme é baseado em fatos reais, algumas das cenas, podem sair do contexto real, foi dirigido pelo Caco Souza e está muito bom e instigador.

... Eu e o Raull chegamos tarde na Mangueira, conversamos com o Professor William, ao som dos Racionais, depois de umas 2h de prosa, ele teve que se retirar por conta do horário, que ele não pode ultrapassar, por conta da tornozeleira. Mas deu para comer a super feijoada do André Fernandes, o Raull complementou um monte de coisa, de informação, que ele aprendeu nas ruas, e a cada dia estamos aprendendo para desconstruir as narrativas, e construir as nossas próprias narrativas.

"Paz, Justiça e Liberdade! esse foi o slogan que criamos e ainda hoje, costuma ser visto nas favelas do Comando Vermelho. Mas é PAZ para o coletivo, para os companheiros de sofrimento, JUSTIÇA é de que agora tem a nossa lei, e LIBERDADE! É a liberdade de pular o muro, de fugir a qualquer preço" - Professor William.