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Projeto do governo ameaça autonomia universitária

quarta-feira 31 de julho de 2019, por Ciranda.net,

Levantamento do jornal da AdUFRJ parte de documentos de 32 universidades e institutos federais de seis estados sobre o Future-se. Todos com críticas ao projeto. Conheça os principais problemas

Documentos de 32 universidades e institutos federais de seis estados recomendam cautela com o programa do governo para reformar as universidades, o Future-se. A Procuradoria-Geral da UFRJ e um grupo de trabalho sobre Educação Superior da Câmara dos Deputados também se manifestaram sobre o projeto. Riscos à autonomia universitária, falta de clareza em vários pontos do Future-se e incerteza quanto ao presente são preocupações comuns a quase todos os textos, reunidos em levantamento exclusivo da AdUFRJ.

Os gestores solicitam que a comunidade acadêmica estude com atenção a proposta do MEC antes de qualquer decisão. A adesão ao Future-se é voluntária. O MEC colocou parte do projeto em consulta pública até 15 de agosto. Até sexta-feira, 23, mais de 14 mil pessoas haviam se cadastrado para participar da enquete.

O primeiro problema é esse. Para a Procuradoria-Geral da UFRJ, é “inviável qualquer deliberação por aderir ou não aderir”, por enquanto. A universidade só poderá resolver sobre a possibilidade de adesão quando a proposta se tornar lei e “esteja clara e objetivamente compreensível”. Não há prazo para a votação do projeto de lei, que promove mudanças em outras 17 leis, incluindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

As três universidades federais e o instituto federal do estado de São Paulo divulgaram que “a decisão de adesão deverá ser objeto de avaliação de seus conselhos superiores, exigindo amplo debate com a comunidade acadêmica”. O documento cobra “prazo condizente com a complexidade do tema”.

O tempo curto para contribuições e a falta de precisão do Future-se são atacados pela Universidade Federal de Pelotas: “O MEC propõe um período de consulta originalmente de apenas três semanas, depois aumentado para quatro semanas, que coincide com o período de férias letivas na maioria das Universidades”, diz um trecho. “As informações apresentadas são superficiais e absolutamente insuficientes para a completa compreensão de temas tão densos como os abordados na proposta”, completa.

A preocupação com a autonomia universitária é recorrente em todas as manifestações institucionais. As universidades do Rio de Janeiro criticam o modelo de gestão por contratos firmados com organizações sociais e a supervisão do programa por um comitê gestor indefinido: “A proposta tem aspecto de uma carta branca para que um órgão externo às IFES, composto por membros ainda desconhecidos, e sem necessidade de licitação pública, intervenha não somente na gestão, mas nas políticas acadêmicas do ensino superior, o que pode configurar um atentado ao princípio constitucional da autonomia das IFES”.

E o presente?

Enquanto traça diretrizes imprecisas para o futuro das universidades federais, o governo parece esquecer que o cotidiano das instituições é de dificuldades orçamentárias. “Lembramos que algumas instituições já estão enfrentando enormes problemas para dar andamento ao segundo semestre letivo. Assim, falar do futuro é difícil diante do presente ainda incerto”, diz manifestação do Fórum das Instituições Públicas de Minas Gerais, que reúne a UFMG, a Federal de Juiz de Fora e mais 17 universidades e institutos. “Espera-se que o orçamento aprovado para 2019 seja rapidamente liberado em sua integralidade e que o de 2020 contemple adequadamente as necessidades de nossas instituições”, completa o documento mineiro.

A análise assinada por um grupo de trabalho da Câmara, assinado pelo ex-reitor da UFF, Roberto Salles, e pela ex-reitora da UFMG, Ana Lúcia Gazzola, também critica a falta de alternativa para a situação presente dos campi. “O MEC não apresenta respostas às necessidades imediatas de manutenção do funcionamento das instituições”, reforça o texto do GT já remetido para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Invasão

Para além dos documentos, os reitores têm demonstrado muita insatisfação com o Future-se, em entrevistas ou debates. O reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann, considera que o programa invade praticamente todas as esferas de competência que hoje são dos reitores, afrontando diretamente a autonomia universitária. “Se as OS (Organizações Sociais) assumirem a gestão administrativa, de pessoal, de patrimônio, de currículo e pesquisa, o que é que os reitores vão fazer mesmo?”, questionou.

Se fosse caso de adesão imediata, o reitor da Federal do Ceará, Henry Campos, afirma que não iria aderir por falta de clareza da proposta.

A Universidade de Brasília (UnB) criou um grupo de trabalho multidisciplinar para avaliar o Future-se. “A proposta do MEC tem diversos impactos no que diz respeito ao financiamento, à gestão, inclusive do nosso patrimônio imobiliário, e a normativas relacionadas às atividades das universidades. Por isso é importante que todos estejamos muito bem informados”, disse a reitora Márcia Abrahão.

Consulta pública

O projeto de lei sobre o Future-se será encaminhado ao Congresso, mesmo que o resultado da consulta pública seja totalmente desfavorável à iniciativa. A assessoria do Ministério da Educação informou que as contribuições enviadas por internautas serão sistematizadas com “ferramentas de inteligência de dados”, sem entrar em detalhes, e “analisadas quanto à pertinência para o Future-se”.

Eventuais divergências, segundo a assessoria, “serão analisadas e, caso sejam pertinentes ao objetivo e escopo do programa, poderão ser acatadas”. Se houver total desacordo com a proposta, o Future-se não será parado. A resposta foi: “A consulta pública é para que a participação popular ajude a aprimorar o programa. Após as contribuições, o projeto será encaminhado ao Congresso Nacional que vai realizar alterações cabíveis”. Os aparatos legais da proposta, segundo o MEC, serão um Projeto de Lei e um Decreto do Poder Executivo.

Confira trechos dos documentos produzidos pelas universidades, procuradoria jurídica da UFRJ e grupo de trabalho da câmara dos deputados sobre os principais pontos do Future-se. Leia a íntegra de cada documentação abaixo e no Facebook da AdUFRJ

1 . ORÇAMENTO ATUAL

UFMG – CEFET/MG – UEMG – UFJF – UFLA UFOP – UFSJ – UFTM– UFU – UFV – UFVJM – UNIFAL – UNIFEI – UNIMONTES – IFMG –IFNMG – IFSudesteMG – IFTM – IFSuldeMinas

“O Programa é lançado num momento de grande dificuldade das instituições com relação ao orçamento de 2019, tendo em vista o contingenciamento dos recursos discricionários. Lembramos que algumas instituições já estão enfrentando enormes problemas para dar andamento ao segundo semestre letivo. Assim, falar do futuro é difícil diante do presente ainda incerto. Espera-se que o orçamento aprovado para 2019 seja rapidamente liberado em sua integralidade e que o de 2020 contemple adequadamente as necessidades de nossas instituições”.

2 . ADESÂO

PROCURADORIA-GERAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

“O texto do anteprojeto indica que será por meio de adesão, o que significa que o Ministério da Educação apresentará uma proposta fechada, sem condições de discussão ou customização para o respectivo aceite por parte da Universidade…Sem que a proposta advinda do programa, quando se tornar lei, esteja clara e objetivamente compreensível, apresenta-se inviável qualquer deliberação por aderir ou não aderir… Quando o programa se tornar lei, isto é, depois de aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, a Universidade terá de promover uma ampla discussão interna visando a identificar as vantagens e desvantagens do programa”.

FUNDOS DE INVESTIMENTO
UFMG – CEFET/MG – UEMG – UFJF – UFLA UFOP – UFSJ – UFTM– UFU – UFV – UFVJM – UNIFAL – UNIFEI – UNIMONTES – IFMG –IFNMG – IFSudesteMG – IFTM – IFSuldeMinas

“Para a autonomia financeira das IFES, a minuta prevê certas possibilidades no que diz respeito à arrecadação e utilização de recursos próprios, ações já existentes em nossas instituições, indicando, assim, em tese, um caminho para flexibilização do limite de gastos previsto na Emenda Constitucional 95.

Quanto às fontes financeiras para a formação dos Fundos, será necessário avaliar com cuidado, ponderando sobre possíveis impactos da formação desses Fundos sobre o financiamento público da educação superior brasileira, notadamente quanto aos riscos de renúncia ou abstenção referentes às ações de financiamento por parte do Poder Público.”

4 . ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Instituições Federais de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro – UFRJ, UFRRJ, UFF, UniRio, IFET, CEFET, IFF

“O Projeto de Lei contém divergências ou é omisso sobre o papel das Organizações Sociais e do Comitê Gestor no “apoio” aos eixos do Future-se, a saber: 1) gestão, governança e empreendedorismo, 2) pesquisa e inovação e 3) internacionalização. Em momento algum, detalham-se quem serão os membros e como esses grupos seriam incorporados à atual estrutura administrativa das IFES… A proposta tem aspecto de uma carta branca para que um órgão externo às IFES, composto por membros ainda desconhecidos, e sem necessidade de licitação pública intervenha não somente na gestão, mas nas políticas acadêmicas do ensino superior, o que pode configurar um atentado ao princípio constitucional da autonomia das IFES.”

PRAZO
UFABC – UFSCAR – UNIFESP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo

“De acordo com estatutos e regimentos das IFES e IFS, a decisão de adesão deverá ser objeto de avaliação de seus Conselhos Superiores, exigindo amplo debate com a comunidade acadêmica. Por isso, é fundamental que haja um prazo condizente com a complexidade do tema, incluindo os documentos complementares necessários previstos em Consulta Pública (parecer jurídico, parecer de mérito e demais pareceres correlatos).”

“Reiteramos nosso compromisso em defesa das instituições de ensino superior públicas, autônomas, gratuitas, de excelência e inclusivas, e também com as metas do Plano Nacional de Educação”.

6 . INOVAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

“As instituições federais de ensino superior já desenvolvem atividades relativas a essas áreas. São as universidades públicas as principais responsáveis pela pesquisa, pelo desenvolvimento e pela inovação presentes no País em todas as áreas do conhecimento. A quase totalidade dos projetos inovadores nascem a partir de iniciativas das IFES e de seus pesquisadores, com intensas parcerias, seja com o setor público ou com o setor privado. Em termos de internacionalização, as IFES mantêm, há muito tempo, convênios, acordos e parcerias com instituições do mundo todo, promovendo mobilidade de docentes, técnicos e estudantes, com transferência de conhecimento e troca de experiências enriquecedoras.”

AUTONOMIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

“A autonomia universitária corresponde a um poder de decisão que envolve o poder de estabelecer seu regramento, o poder de decidir e de gerir suas finanças e seu patrimônio, o que em diversos artigos do proposto Projeto de Lei do Programa Future-se entende-se como reduzido, desconfigurado e até mesmo suprimido. Por exemplo, o compromisso de “adotar as diretrizes de governança dispostas nesta Lei, inclusive ao Sistema de Governança a ser indicado pelo Ministério da Educação.” Com base na redação do Projeto de Lei o poder de decidir da IFES com relação aos aspectos mais variados se vê consideravelmente reduzido. O Governo Federal e, mais especificamente o MEC, passaria a concentrar, a partir desse Programa, uma parcela considerável das decisões hoje adotadas por cada uma das IFES.”

8 . EMPREENDEDORISMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

“Cada vez mais iniciativas associadas a ações empreendedoras são estimuladas em todas as áreas do conhecimento por meio do apoio institucional a empresas júniores, a startups, a equipes de competição e a eventos acadêmicos.”

“Nesse sentido, o “Future-se” não traz elementos diversos daqueles já presentes no cotidiano de nossas instituições. Faz-se necessário avaliar com cautela e profundidade, por meio de comissão específica e representativa da comunidade universitária, as proposições que digam respeito à criação de organizações sociais e fundos, bem como os impactos de tal cenário sobre o financiamento público da educação brasileira.”

Referências

Nota das Instituições Federais de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro

Future-se: Uma análise preliminar da administração da Universidade Federal de Pelotas

Apreciação preliminar do programa Future-se (MEC), elaborada pelo GT-EDSUP, ao presidente da Câmara dos Deputados

Manifestação preliminar sobre o programa Future-se das universidades e instituto federais de São Paulo

Manifestação preliminar do Foripes (MG) sobre o programa Future-se

Manifestação preliminar da Administração Central da UFSC sobre o Future-se

Parecer da Procuradoria Federal junto à UFRJ

Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo - AdUFRJ